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11 de out. de 2014
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Motoristas tiram direito de cadeirantes a acessibilidade em Cabo Frio, RJ

Especialista afirma que prática mostra "falta de preparo dos motoristas".
Sinalização, fiscalização e conscientização são apontadas como soluções.


A cena se repetiu três vezes em menos de dez minutos. Bastou andar dois quarteirões da Avenida Nilo Peçanha, no centro de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio, para os amigos Huender de Souza Santos e Marcos Elias Silveira Tubino, ambos de 42 anos, terem o direito de ir e vir violado pelo desrespeito alheio. Eles se locomovem em cadeiras de rodas e utilizam as rampas – quando elas existem – para subir e descer as calçadas. Isso, é claro, se não tiver algum carro estacionando em frente aos acessos.

Carro parado na faixa de pedestres e em frente a rampa impede cadeirantes de subirem na calçada em Cabo Frio (Foto: Tomás Baggio / G1)

"Desculpa aí", disse o motorista de um caminhão vendo a dificuldade deles em passar pela brecha deixada entre o veículo e a rampa. "Foi só um minutinho, achei que dava para passar", justificou-se outra motorista de um carro estacionando na faixa de pedestres em frente a uma agência bancária.

"Desculpa aí", disse motorista do caminhão
(Foto: Tomás Baggio / G1)
"É claro que não vou discutir, arrumar confusão. Mas costumo dizer que é um minuto perdido na minha vida", afirma Huender.

"As pessoas pedem desculpas, se comovem, ficam sem graça, mas quando avistam um espaço em frente a uma rampa e percebem que não tem ninguém vendo, param do mesmo jeito", constata Marcos.

Segundo eles, falta fiscalização adequada e conscientização por parte dos motoristas. Mesmo considerando que a acessibilidade vem melhorando nos últimos anos, eles criticam o comportamento da sociedade e dizem que as obras, por si só, não resolvem os problemas.

"Só um minutinho", justificou-se a motorista do carro
(Foto: Tomás Baggio / G1)
"A (Avenida) Nilo Peçanha foi a primeira via com acessibilidade de Cabo Frio e acredito que seja a melhor neste quesito. Mas isso não adianta de nada se as pessoas não respeitarem. Percebo que as obras públicas de uns tempos para cá estão sempre prevendo a acessibilidade, mas ainda sofremos nos prédios antigos, nos banheiros e no comércio de uma forma geral", aponta Huender.

Falta de preparo dos motoristas
A opinião dele é compartilhada pelo instrutor de trânsito Walter da Silva, pós-graduado em gestão de trânsito. Para Walter, a prática de estacionar em frente a rampas demonstra falta de preparo dos motoristas.

"Eles (motoristas) muitas vezes fingem que não viram a rampa. É preciso ter consciência de que aquele espaço é essencial para algumas pessoas. Não apenas os cadeirantes, mas também idosos e mães com bebês no carrinho. Se aquele espaço é o único que existe, não tem jeito, é preciso andar mais e procurar outro lugar. É melhor perder tempo do que prejudicar alguém, mesmo porque não sabemos o dia de amanhã", declara o especialista, apontando a sinalização adequada como uma das formas de coibir essa prática.

Walter da Silva (Foto: Tomás Baggio / G1)
"Construir a rampa não basta. É preciso pintar o chão e colocar placas refletivas, além de fiscalizar, é claro. Mas uma sinalização bem colocada inibe o motorista, faz com que se sinta envergonhado", aponta o instrutor e examinador de trânsito sobre possíveis soluções.

Falhas na fiscalização
Apesar de admitir falhas na fiscalização, o secretário de Ordem Pública de Cabo Frio, Adalberto Porto, aponta a "falta de educação" como grande causa do problema. Ele discorda que a melhora na sinalização poderia coibir as irregularidades.

"A prova de que não é isso (falta de sinalização adequada) é andar pela cidade e ver vários carros parados bem em frente a placas de proibido estacionar. Falta educação e conscientização. O motorista não se coloca no lugar do cadeirante. E dizer que não viu a rampa é brincadeira porque é preciso olhar o meio fio para estacionar", afirma o secretário, dizendo que uma ampla campanha de conscientização seria uma solução mais adequada.

Questionado sobre a falta de reboque e talão para multas na Guarda Municipal, Adalberto Porto informou que os talões já foram adquiridos mas o reboque ainda está parado.

"É verdade que isso atrapalha porque gera impunidade. Mas já regularizamos a situação dos talões e o reboque deve estar de volta às ruas na semana que vem. Infelizmente só o que podemos fazer é multar e isso nós estamos fazendo", alegou.

Késia sobe no elevador do ônibus para ir ao curso de inglês (Foto: Tomás Baggio / G1)

Pelo menos duas vezes por semana, quando tem aulas no curso de inglês, a estudante Késia Almeida Araújo, de 17 anos, sai de casa no bairro Boca do Mato, pega um ônibus e vai até o centro de Cabo Frio, sempre acompanhada pela mãe ou pela irmã. Segundo Késia, o serviço de transporte não é ideal, mas atende as necessidades de um cadeirante.

"No geral, dou nota 7", afirma Késia sobre transporte
(Foto: Tomás Baggio / G1)
"Todos os ônibus têm elevador e isso é muito bom. Mas já aconteceu do elevador não funcionar, do motorista estar sem a chave que liga o equipamento e até mesmo de não parar para mim no ponto. No geral, dou nota 7", considera.

Para o gestor de trânsito Walter da Silva, a evolução do setor nos últimos anos "é visível".

"Pelo que vemos os ônibus são bem adaptados e os motoristas são treinados para manusear o elevador. Já ouvi relato de casos em que os ônibus não pararam no ponto, mas acredito que isso não acontece com frequência. A evolução do transporte neste quesito (acessibilidade para cadeirantes) é visível", 

Frota 100% adaptada
Sobre o elogio em relação à estrutura dos veículos, a empresa responsável pelo serviço, Auto Viação Salineira, informou que 100% da frota que circula nas cidades da Região dos Lagos estão adaptadas para o transporte de cadeirantes. Já em relação aos problemas citados, a empresa alegou que "ao ser contratado, o motorista e o cobrador passam por treinamento e anualmente é feita uma reciclagem".

A nota afirma também que todos os veículos circulam com a chave do elevador, sendo necessário apurar especificamente o caso em que isso não ocorreu. A empresa informou ainda que, caso um motorista não pare no ponto, o cliente deve ligar para o Fale Ônibus no telefone 0800 886 1000. "A empresa busca a melhoria contínua dos serviços por meio de treinamentos, cursos de reciclagem, campanhas de conscientização, etc", conclui a nota.

Histórias de vida
Conhecidos há cerca de cinco anos e bons amigos há dois, Huender e Marcos Elias utilizam cadeiras de rodas pelo mesmo motivo: eles tiveram poliomielite na infância. A doença conhecida como "paralisia infantil" atualmente está erradicada no Brasil.

Na infância e na adolescência, Huender apenas engatinhava. Somente aos 18 anos ele colocou aparelhos nas pernas e começou a andar com o auxílio de muletas. Mas, com o passar dos anos, o corpo sentiu o desgaste e ele teve que passar para a cadeira de rodas. Já Marcos Elias teve a doença diagnosticada aos oito anos de idade e desde então se locomove em cadeiras.

"A situação para os cadeirantes melhorou muito desde a minha adolescência. Antigamente os deficientes nem saíam de casa. É claro que falta muito, mas está evoluindo", aponta Marcos, que é artesão aposentado.
"Não aceito quando quero ir em alguma loja ou restaurante que não tem acessibilidade e as pessoas dizem que podem me carregar. Isso eu não quero. O correto é que a sociedade faça as adaptações para que todos possam ser atendidos", posiciona-se Huender, que trabalha vendendo picolés no centro de Cabo Frio e puxa o carrinho com a mercadoria enquanto se locomove na cadeira elétrica.

Para Késia Almeida, a cadeira de rodas passou a ser necessária após um acidente. Com apenas um ano e meio de idade ela caiu de uma mesa sentada no chão, fraturando a coluna. Aluna do terceiro ano do Ensino Médio no Instituto Politécnico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em Cabo Frio, Késia reclama da diferença de condições entre as ruas do centro da cidade e do bairro onde mora.

"Aqui (no Monte Alegre) não tem preparo algum para isso. As calçadas são estreitas e esburacadas, é sempre difícil me locomover. No centro da cidade a situação é bem melhor", declara, dizendo ainda que o prédio do colégio onde estuda foi adaptado nos locais onde ela circula. "Mas não consigo subir no segundo andar", lamenta.


Fri Notícias/G1 Região dos Lagos

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